Qualquer caminhada digna do nome é uma grande aventura. O grande barato é que o
caminhante nunca sabe exatamente o que vai encontrar pela frente. Essa
surpresa, combinada com a expectativa do passeio, é que fazem o programa ser
tão libertador da previsível vida urbana. Entretanto, mesmo com o suspense no
ar, as caminhadas requerem alguma disciplina de seus participantes. Após o
desaparecimento do engenheiro Luiz Guilherme Mascarenhas em uma trilha da Ilha
Grande (RJ) no mês passado, diversas considerações sobre a segurança ao
caminhar vieram à tona.
Conseqüência de um mau planejamento, seja por parte dos responsáveis pela
trilha, seja pelo caminhante, um conhecimento maior sobre esse esporte e sobre
o que ele requer são necessários para que ele não passe da categoria
“inofensivo” para “de grande risco”.
Responsabilidade do Estado
Trilhas oferecidas à população devem ser sinalizadas. Apesar do mapa do
terreno ser equipamento essencial a qualquer caminhante, os estreitos caminhos
trilháveis por vezes podem ser confusos e a sinalização é que vai decidir nessa
encruzilhada. Por isso, a manutenção das trilhas é fundamental, já que a
natureza muda constantemente apagando ou modificando o caminho e/ou
sinalização.
Em países de amantes das caminhadas, como a África do Sul, Nova Zelândia e
Estados Unidos, a maior parte das trilhas têm panfletos informativos contendo
mapas do território. Centros de visitantes oferecem todo o tipo de informações
sobre a caminhada, que vão desde as fontes de água do caminho a curiosidades
sobre a fauna e a flora locais. Portanto, ao começar a sua jornada por uma nova
trilha, o caminhante já tem conhecimento suficiente do que virá pela frente,
estando assim devidamente preparado para a aventura.
Responsabilidade do caminhante
Um bom planejamento antes de começar uma trilha é
fundamental para seu melhor aproveitamento e segurança.
O caminhante deve ter noção de seu grau de condicionamento
físico e planejar sua trilha conforme essa informação. Não adianta um
sedentário querer cruzar 20 quilômetros por dia. Vai ficar exausto e
provavelmente odiar sua única (e possivelmente última) experiência. Entretanto,
quanto maior for o grau de condicionamento físico do indivíduo, mais
gratificante será seu passeio. Geralmente, o ideal para trilhar em um dia vai
de 20 quilômetros para o mais experiente, aos 10 quilômetros para aqueles que
estão há anos sem fazer qualquer atividade física. Nessas distâncias diárias
ainda estão incluídos os tempos de paradas para comer, tirar fotos e mergulhar
no mar ou num rio do caminho. Caminhar é para se divertir e o objetivo do
aventureiro não é chegar ao final, mas aproveitar a jornada.
Alguma preparação mental também ajuda o caminhante, que deve ter um bom senso
apurado. Em caso de mudanças climáticas drásticas, quando é necessário
dar meia volta na trilha, ou qualquer outra decisão importante, é fundamental a
manter a calma visando sempre a segurança dos indivíduos. Outro aspecto
importante é a perseverança, já que algumas vezes a vontade de desistir durante
o trajeto bate à porta. Na maioria das vezes tal fato acontece a poucos
minutos antes da chegada ao destino desejado, portanto, paciência!
A gratificação emocional ao fim de uma caminhada é algo que compensa. O
sentimento de conquista depois de horas de esforço físico e mental tem um sabor
especial. Saber também que fomos auto-suficientes por algum tempo, sem
postos de gasolina, supermercados e transportes públicos é um grande
prêmio. E melhor de tudo, a sensação de liberdade que só um mergulho da
natureza é capaz de proporcionar. Nesse contexto voltamos às eras
primitivas e saboreamos um isolamento raro nos dias de hoje. Talvez esse
seja o maior presente que uma trilha tenha para oferecer.
Escolhendo a caminhada
Na hora de escolher a caminhada, diversas considerações vêm
em mente. Primeiro, o que escolher? Mar, rios, cachoeiras, florestas,
vistas, montanhas, ruínas. Vai depender do gosto do cliente. O
certo é que caminhadas visam a contemplação da natureza em terrenos
majestosos. Seguindo essa premissa, é pouco provável que o caminhante se
decepcione em qualquer escolha.
O segundo aspecto na escolha do percurso diz respeito à quantidade de noites
que se quer dormir durante uma trilha. Quanto maior o número de noites,
maior a imersão no mundo natural. E ao contrário do que possa parecer,
após os primeiros dois dias de caminhada o corpo começa a se acostumar de tal
forma com essa atividade que o prazer diário só aumenta. Por outro lado,
como são mais dias para comer, carrega-se mais peso.
E o terceiro aspecto que vai influenciar a escolha e planejamento do passeio é
se existem abrigos ou vilarejos com hospedagem ao longo do caminho, ou se
acampar é a única opção. A vantagem de ficar em alojamentos consiste
principalmente em aliviar o peso da mochila. Não são necessários colchões
isolantes, sacos de dormir e barracas. Se a hospedagem ainda oferecer
comida o peso fica quase igual ao das mochilas levadas em trilhas sem
pernoite. Já acampando é necessário carregar todos os itens mencionados
acima, o que acabam por totalizar em uns 15 quilos nas costas. Mas tudo
tem seu preço, e para ser totalmente auto-suficiente acampando em um lugar
exclusivo, debaixo das estrelas, com total privacidade, até que não está caro.
Considerações ao caminhar
O caminhante deve ser auto-suficiente em qualquer tipo de trilha. É
necessário estar preparado para eventuais acidentes, como, por exemplo, ficar
isolado por mais tempo que o previsto devido a súbitas mudanças climáticas.
Portanto é sempre bom levar um pouco mais de água e comida que o
necessário. Além disso, o mapa, e um kit de primeiros socorros são
fundamentais. Em uma caminhada na Ilha de Comores, ao leste do continente
africano, esta autora quase morreu de frio em uma noite gélida, devido a um mau
planejamento. Infelizmente, aprender com a prática nesses casos é o pior cenário.
Mesmo caminhando com guias, atualmente me responsabilizo pela minha segurança e
não saio sem uma boa jaqueta, capa de chuva, pares extras de meias de lã e um
potente saco de dormir.
Por motivos de segurança, não é boa idéia caminhar sozinho nem quando se conhece
bem o terreno. Acidentes acontecem e a ajuda de um companheiro pode ser
essencial. Uma picada de cobra ou um escorregão e uma perna quebrada serão
sempre melhor resolvidos a dois.
Um bom planejamento ao caminhar recompensa conferindo maior liberdade ao
praticante. Com os apetrechos necessários para se localizar e se manter
nas trilhas se tem todo o tempo para aproveitar o passeio. É claro que
como em toda aventura o inesperado também pode acontecer. Mas isso faz parte
dessa experiência única, que, combinada com um pouco de bom senso e muito
bom-humor, dá sempre boas histórias para contar.
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